quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Outras Confidências, de Flávio Otávio Ferreira

Poema que remete à solidão drummoniana ou àquilo que Antonio Houaiss chamou de um estar-no mundo que se faz rejeitar-o-mundo para, implicitamente, propor um-novo-mundo. O universo solitário do eu poético parece ter sido uma escolha consciente, mas como sobreviver se “a tristeza aqui dentro instalada/é amálgama de ferro corroído”? Apenas na escrita, no fazer poético, esse eu pode continuar a existir e a ter vida. Só assim ele pode se encerrar “em outra pauta/escrita apenas da alegria que em falta”. Só assim ele pode, inclusive, ironizar o próprio Drummond, funcionário público e fazendeiro. Muito bom o poema, sobretudo para quem já leu um pouco da obra poética drummoniana.


Outras Confidências
(Flávio Otávio Ferreira)



Não sou funcionário público,
Tampouco tive gado, ouro e fazenda.
Na parede, nenhum retrato
Resgata-me da profusão sentimental
A inflar saudades em meu peito.

Vivo submerso em sonhos e retalhos,
histórias e improvisos;
a tristeza aqui dentro instalada
é amálgama de ferro corroído.

Se eu trouxesse todas as prendas exemplares,
Todas as notas de canções já esquecidas
Transmutava essa tristeza descerrada
Em completa explosão de alegria,

Mas, por hábito, abracei o sofrimento,
isolado mergulhando em noites brancas,
de outros tempos da vida erigi lembranças
que se esvaem simplesmente em contradança

De tão porosa a alma está incomunicável,
ferido o orgulho
maquiado qual ferrugem
de tanta mágoa
me encerro em outra pauta
escrita apenas da alegria que em falta.


(Obs.: o autor autorizou a postagem do poema acima.)

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