domingo, 15 de janeiro de 2012

as coisas elementares, de António José Cravo

Poema concebido sob e sobre minúcias, onde a memória das pequenas coisas agiganta-as e, não obstante a delicadeza de cada verso, um grito agudo ecoa do eu poético. Este fala de coisas elementares, simples, cotidianas. E dessas miúdas coisas elementares surgem poderosas imagens que só as palavras podem produzir: “um seixo rolado/guardando o tempo/dentro de si/um torrão de terra/grávido de uma semente”, onde, da solidez, pode nascer a frágil semente do amanhã ou da própria vida, apesar de haver “as lágrimas/rios de salgados/nos leitos dos rostos abandonados”. A voz ecoa com ternura das palavras de um eu que se diz “cansado de comer silêncio/e ler poemas de amor/com tanto desamor". Belo, belíssimo poema! (O autor é português.)

Menção deve ser feita ao blog onde o poema e o vídeo acima foram localizados. Trata-se do
http://portuguesapoesia.blogspot.com/, um blog rico e inovador para os amantes da poesia.



as coisas elementares

(António José Cravo)


falo das coisas mais
elementares
o sino da igreja
onde um galo não canta
um seixo rolado
guardando o tempo
dentro de si
um torrão de terra
grávido de uma semente
mais elementares ainda
os sorrisos presos nos lábios
das crianças tristes
as lágrimas
rios de salgados
nos leitos dos rostos abandonados
nos lares/depósitos
falo porque
estou cansado de comer silêncio
e ler poemas de amor
com tanto desamor
a caminhar por aí
as coisas mais elementares
são as que deviam ocupar
o ventre das palavras por parir










(Obs.: o autor "obrigou" a postagem do texto do poema acima.)

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