Espaço para divulgação de poesias selecionadas. Velhas e novas poesias, trazidas do fundo do baú ou das últimas viagens virtuais. Belos poemas brevemente comentados.
sexta-feira, 30 de dezembro de 2011
Pormenor, de Virgínia Boechat
PORMENOR
(Virgínia Boechat)
olha bem aqueles fios
quase um nó muito pequeno
e de vestido vermelho quase
um ponto no canto da praia
uma praia num canto da casa
nenhuma e nenhum sopro
desmancha as tranças
enquanto corre ri e faz contas
numa infância de tinta
como todas são como a minha
no vento do parque das mangabeiras
mas olha bem que é tênue e escapa
a faixa de areia onde ela brinca
e pula e pisa e dispersa as poças
que paradas mostrariam casas
e ela sendo Clarisse, Maria, Leonor e Lia
a reconheceremos ao lado
de durar e o mar talvez
talvez o mar ali sejamos nós
(Obs.: a autora autorizou a postagem do poema acima.)
Mar-Horto, de Cláudia Cordeiro
Mar-Horto
(Cláudia Cordeiro)
Esta não é a água
cristalina de beber
nem abençoada de benzer
É a água de cem mortos
pedaços de corpos
boiando na luz da manhã.
À noite,
ondas vermelhas
tropeçam
em mãos, pés, braços, orelhas...
no recuo da praia.
Angústia
do morto, do torto:
o arcabouço apodrecido dos sonhos.
Angústia maior:
a de ter olhos de ver.
(Obs.: a autora autorizou a postagem do poema acima.)
Inclemências, de Jose Aparecido Botacini
Inclemências
(José Aparecido Botacini)
No alforje onde guardei
minhas ilusões sobraram
apenas os restos de mim.
Atentei contra o meu peito,
fiz sangrar meu coração...
Desejei este vil sofrimento...
Não é apenas a falta do que ser,
é o preço que se paga por não ser;
É torpe pensar em grandeza,
quando nossos sonhos são (miúdos)
ou nos falte destreza para lutar.
“Amiúde cerro meus ouvidos
e cego, transito pelos labirintos
obscuros entre as fronteiras
da loucura e da lucidez”.
Recobro os meus sentidos,
porem tudo a volta de mim
continua sem providências.
“A desilusão é a mãe
de toda a inclemência”
(Obs.: o autor autorizou a postagem do poema acima.)
Ária e Coral, de Marcantonio
Poema trazido das viagens virtuais pelos blogs da vida. No poema abaixo, impossível não ver, no eu poético, um outro eu tão comum nos dias de hoje: aquele que descobre, remove e destrói montanhas, muitas vezes meio sem saber por qual motivo ainda insiste em continuar determinadas buscas. O eu do poema, lúcido na própria loucura, encontra a razão de seu canto ao se saber ser “um” ante e diante do “outro humano”. Poema bem estruturado semanticamente.
ÁRIA E CORAL
(Autor: Marcantonio)
(Para Tânia R. Contreiras)
Não canto para encantar as frontes
Nem para abafar o incêndio das pálpebras,
Ou para fazer nevar entre os lábios,
Ou para amortecer o tremor dos queixos.
Canto porque não sei eu mesmo
Chorar ou rir sem cantar,
Como uma engrenagem que range,
Como uma planta que se volta para o sol
Sem intenção de se iluminar.
E eu cantaria sozinho ou louco
Não fosse o canto ele próprio
Um ninho para o humano outro.