sábado, 21 de janeiro de 2012

Carta ao tempo, Aíla Sampaio

Poema em prosa ou prosa poética? A resposta tem pouca (ou nenhuma) importância. O essencial é a viagem pelo tempo, ao vento e nos sentimentos ao longo de todo o texto. O eu poético escreve ao tempo, para que dores sejam levadas, esquecidas. Um amor precisa ser esquecido, para que outro possa ser conhecido (em todos os sentidos). E então há um desfile de alguns desejos, mas, sobretudo, que “sobreviva apenas a poesia soberba da vida” para celebrar um novo amor. No entanto, esse amor ainda não se concretizou, ainda vive guardado nas palavras. Breve ganhará o corpo, o mundo, a vida por inteira. Texto poético: imagens belíssimas (“cartas que escrevo ao tempo”, “de mãos dadas com o vento”, “tatuando em cada poro o cheiro desse amor nascente” e “os sapatos já saíram da caixa. Falta muito pouco para saírem andando por aí”); sentimentos bem cadenciados na estrutura do texto, com a primeira parte (até “Que seque toda seiva que se derrame em vão”) toda dedicada ao antigo amor, e a segunda (de “sobreviva apenas a poesia soberba da vida” até o final do texto) dedicada ao novo amor; pela delicada e sóbria descrição dos sentimentos (dor, desejo, esperança). Belíssimo texto!
(Lamento o comentário não ter sido tão breve quanto o texto principal. Foi inevitável!)



Carta ao tempo

(Aíla Sampaio)


A gente esquece o nome quem têm algumas dores. Sim, porque algumas delas têm nome e endereço fixo, mas não têm remédio. Daí as cartas que escrevo ao tempo, pedindo que passe passe passe, de mãos dadas com o vento, e leve as histórias mal contadas daquele amor que gostava dessa rima pobre. Que não fique sequer um pé de esperança aonde não pode brotar flor. Que seque toda seiva que se derrame em vão e sobreviva apenas a poesia soberba da vida tatuando em cada poro o cheiro desse amor nascente. Esse tem asas que não são descartáveis e só sabe rimar com felicidade. Sua tristeza é sincera, sua alegria não é postiça. Seu esconderijo, por enquanto, são as minhas palavras, mas, em breve, será o meu corpo... os sapatos já saíram da caixa. Falta muito pouco para saírem andando por aí.



(Obs.: a autora autorizou a postagem do poema acima. O link direto da postagem original é http://literaila.blogspot.com/2012/01/carta-ao-tempo.html)

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