quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Um punhado de palavras, de Ana Paula Mateus

A metalinguagem no texto poético é uma das vertentes mais cultivadas na poesia contemporânea. Já se disse que o tema está esgotado, mas a profusão de autores e poemas dedicados a falar do escrever, da palavra e da poesia não indica que a coisa esteja prestes a perecer. Desconfio que o metapoema ou a metapoesia entrará, na posteridade, para o rol dos temas poéticos eternos, tal o amor, a morte, o tempo e mais alguns poucos. O poema ora comentado é um esplêndido exemplar de que a poesia (e seus órgãos vitais — as palavras, as figuras de linguagem e as sonoridades) ainda pode, sob algumas penas (ou teclados), ser um tema delicioso. No poema, as palavras são tratadas com ternura, com delicadeza, com afeição, com amor. São “guardadas nas mãos em concha”, são emprestadadas pelos deuses, são lidas nas estrelas, são “brilhantes, luminosas/palavras de riso claro”, são perfumadas, musicais, fortes, indeléveis e eternas. São colhidas nos sonhos, nos céus, nas bocas, nas areias e nas estradas. O poema mostra aspectos lúdicos, ricos e prazerosos da relação do eu com as palavras, com o fazer poético, com a poesia. Embora não esteja explícita, a palavra que conduz o fluir do poema é encantamento. As palavras provocam e produzem um encantamento único. E até a solidão e a tristeza por vezes são tragadas por esse encantamento poético (“E passa-me o frio cá dentro”). Lindo poema!


Um punhado de palavras


(Ana Paula Mateus
)


Trago um punhado de palavras
guardadas nas mãos em concha.
Encontrei-as nos livros, ditas pelos poetas...
Li-as nas estrelas... Emprestaram-mas os deuses...
Roubei-as à tua boca.
São palavras brilhantes, luminosas,
palavras de riso claro,
sussurradas ao ouvido no instante do abraço,
palavras ardentes, soltas
no beijo dado com a urgência da saudade.
São palavras perfumadas,
cheiram a eucalipto orvalhado pela manhã,
cheiram a velas queimadas em dia de aniversário,
cheiram a terra molhada
e a relva acabada de cortar...
São palavras musicais, como um espanta-espíritos
em dança vadia com o vento ao cair da tarde...
Foram escritas na areia da praia,
sobrevivendo aos vendavais
e aos pés descalços dos caminhantes,
à fúria das gaivotas e ao abraço salgado
das ondas inconstantes...
São fortes e indeléveis.
São eternas as minhas palavras.

E quando às vezes me engano na estrada
ou me perco nos caminhos,
quando sinto os passos cansados ou inseguros,
sento-me na berma e olho-as de frente,
tatuadas na pele gasta das mãos calejadas...

Leio-as muitas e muitas vezes...

Repito-as baixinho...
E passa-me o frio cá dentro.



(Obs.: a autora autorizou a postagem do poema acima.)

2 comentários:

  1. Bernardo,

    É uma honra para mim, a apreciação que faz do meu texto.
    Muito obrigada pela generosidade das suas palavras e pelo carinho com que tratou o meu poema.
    Seja muito bem vindo ao meu cantinho, volte sempre que queira. Eu também vou seguir os seus passos.

    Beijo

    Beijo

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  2. no beijo dado com a urgência da saudade

    que belíssimo poema

    gostei muito

    um beijo

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