quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Solidão tão minha, de Ana Kosby

“Me busca no espaço este vazio do corpo”. Espaço. Vazio. Corpo. Três palavras. Inúmeros entrelaçamentos possíveis. O estranhamento (característica de uma certa linhagem poética desde o final do século XIX) deixa sua marca logo no primeiro verso. E então surge uma bela imagem poética: “solidão tão minha/esta de sentir-me apenas luz/pairando sobre os leitos de carne”. A luz pairando sobre os leitos de carne: o imaterial, o etéreo pairando sobre o material. Também o sentimento (a solidão) pairando sobre o corpo. Em seguida, a descrição da solidão com substantivos fortes e germinativos (obrigação, direitos, criação). Depois, o conflito entre o ser e o existir e um breve interlúdio no “réquiem solitário” para a esperança de liberdade. O poema aborda uma solidão que é, a um só tempo, umbilical, “placentária” e “planetária”, universal. Uma solidão que não se ressente de um amor findo, e sim do distanciamento e do enfrentamento em relação ao mundo (“nas costas o peso da sociedade”). O estranhamento não está apenas no jogo semântico das palavras, mas também na solidão do eu poético frente à humanidade. Muito bem elaborado o quadro descritivo da solidão entre o particular e o geral, entre o material e o imaterial.




Solidão tão minha

(Ana Kosby)



Me busca no espaço este vazio do corpo
solidão tão minha
esta de sentir-me apenas luz
pairando sobre os leitos de carne
despida de obrigação,
de direitos de criação
coberta de penas e castigos
tecidos umbigos de genes
incongruentes, parentes
parênteses entre o ser e o não existir
além da expectativa humana
tão vil, vulgar, material e insana.
herança?
Apenas a triste esperança da liberdade
no réquiem solitário.

Solidão tão minha...
placentária, planetária
alma além da idade
burra velha, carregando
nas costas o peso da sociedade.


(Obs.: a autora autorizou a postagem do poema acima.)

2 comentários:

  1. Me emocionei de ler o que escreveste. Grata por este momento, nada solitário. Letras, tão nossas!

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  2. Sim, Ana: letras, tão nossas! Grato.

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