terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Asilo, de Fabrício de Queiroz Venâncio

Uma fotografia do abandono. Um recorte de uma solidão anunciada de há muito. Poema de uma tristeza cortante, lenta e profunda. Em cada estrofe, uma imagem que angustia. Objetos inanimados em paisagens melancólicas: “Na estante,/a camisa desbotada”, “A cadeira balança preguiçosa”. Na segunda estrofe, o tempo parece ter parado para prolongar mais ainda a letargia que perpassa não apenas o dono da lágrima e dos pés moles, como também atinge o observador que descreve. A última estrofe sintetiza a dolorosa transição entre o velho e o novo, entre a vida que se vai e a vida que chega. No meio do caminho, “Uma lágrima corre atrevida”. Poema de uma tristeza linear, sem oscilações ou sobressaltos. Poema de acabamento semântico exemplar.


Asilo

(Fabrício de Queiroz Venâncio)

Na estante, a camisa desbotada;
armários, madeira, mofo:
a alergia já tomou conta.

Não se sabe o turno do tempo,
derradeira visita é lembrança falha
no derreter das horas.

A cadeira balança preguiçosa;
corpo, odor, sujeira:
não houve banho esta manhã.

Uma lágrima corre atrevida,
e a criança tropeça nos pés moles
que incomodam a passagem.



(Obs.: o autor autorizou a postagem do poema acima.)

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