sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Elegíaca, de Raimundo de Moraes

Um breve e nostálgico passeio com Clarice, seus textos, sua poesia, sua vida. Lá estão cenas das origens, da solidão, das viagens, do vazio, dos escritos, da morte. Clarice está em cada palavra, pairando sobre os versos antes que houvesse a luz da poesia de suas múltiplas existências. O olhar do eu poético revive a menina e a mulher de Felicidade clandestina e da aldeia onde nasceu Clarice (Tchetchelnik), o Recife da infância (“a Praça Maciel Pinheiro/circunda o Tempo/O casarão 387/é agora insípido e laranja”), as esquinas de terras distantes (“Nápoles Berna Torquay Washington”), as marcas judaicas (Kaddish), a força da “Palavra”. Poema elegíaco no conteúdo. Poema de amor elegantemente sóbrio, em que o eu poético quase que se anula, para fazer brilhar mais ainda a luz de Clarice. Poema que conta, inventa, recria e refaz a história de uma paixão literária. Um canto de amor à moda da musa “olhar oblíquo” e de “boca rubra”: impreciso, improvável, incontido, inexplicável. Um doce canto de amor à Clarice, à poesia, à arte, à vida. Clarice não morreu! A poesia também não!



Elegíaca

(Raimundo de Moraes)


"A palavra é a minha quarta dimensão."
Clarice Lispector


Segui os passos
da menina de Tchetchelnik.
Dez luas passaram flechadas por Sagitário
Maçãs no claro ofertam-se de tanta maturação:
ensangüentadas, reluzem. Balançam lustres
em din-dlens de poeira suja.
Aqui
a Praça Maciel Pinheiro
circunda o Tempo.
O casarão 387
é agora insípido e laranja
(mas vi entre uma e outra janela
a menina sorrir para mundos distantes).
Longe
as esquinas de Nápoles Berna Torquay Washington.
(As esquinas do mundo são iguais
quando punge à solidão
a lembrança de tudo que fomos).
Corro pelos caminhos de mais um solstício
a cidade ergue-se em dóricas faiscantes
escaravelhos brotam da terra
e no rosto eslavo
pupilas pulsam quasars.
É por ti:
elevo-me à tua memória.
Candelabros iluminando a noite
o Kaddish arrebanhando os perdidos como nós
- percorro os caminhos da mulher de Tchetchelnik.
O olhar oblíquo.
A boca rubra.
A safira no dedo.
A Estrela de Mil Pontas
rompendo gargantas. É Palavra.
Aponta Sagitário mais uma seta em riste.
Agora, sabeis: no coração selvagemente livre.


(Obs.: o autor autorizou a postagem do poema acima.)

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