Poema de muitas
entrelinhas. Poema em que o eu poético contesta e se afirma. Rimas
pinceladas tornam a leitura mais agradável. Belíssima, a primeira estrofe, que apenas inicia
um ordenado raciocínio em que o eu poético reconhece sua
invisibilidade para, em seguida, afirmar: “sou finito e celebro o
fogo/infindável do grande jogo/a nos enlaçar a garganta”. Não
seria esse grande jogo a própria poesia? Afinal, há uma voz
“sacrossanta que a tudo encanta”. A brevidade quase
desconcertante (pois, na leitura, ficamos a pedir mais palavras,
mais explicações) da última estrofe vem dessa voz sacrossanta,
que, sendo terra, é também “campo fecundo” para grandes e
profundas ramificações com a natureza, com a vida e com a própria
poesia. A leitura desse poema “força” o leitor a pensar sobre
as possibilidades interpretativas que um texto pode nos oferecer.
Daqui a um ano, provavelmente o comentário sobre o poema abaixo
seria diferente, muito diferente. E, se o texto provoca essa
sensação, significa que ele é rico em forma e conteúdo. Poema
rico de sendas.
Autorretrato
(Gustavo Felicíssimo)
Sou como o invisível
céu
que não vos inspira
cuidados,
pois retorno depois das
névoas
sobre os campos
abandonados;
sou finito e celebro o
fogo
infindável do grande
jogo
a nos enlaçar a
garganta;
creio no vórtice da
voz
sacrossanta que a tudo
encanta;
trago os haveres desse
mundo;
sou terra, sou campo
fecundo.
(Obs.: o autor autorizou
a postagem do poema. Este foi publicado no livro Procura e Outros
Poemas, de Gustavo Felicíssimo. Editora Mondrongo Livros, 2012.)