Um
poema delicadamente nostálgico. No sentido tradicional de nostalgia
como saudade triste da pátria. E a infância (a boa infância!) não
seria a nossa casa primeira e única e verdadeira pátria afetiva? E para lá, à
infância, o eu poético se dirige e vai catando cacarecos ainda
vivos na memória. Isso porque “Habita em mim/a singela
casa/da minha infância”. (Trocadilho feliz!)
E as imagens vão surgindo: o quintal farto, o limoeiro traquino, o
passaredo em festança, o velho sabugueiro, abril em flores (bela
construção!), o telhado de cavacos, lamparinas atrepadas, olhos
meninos, o terreiro e o pai. E então chegamos aos bascuís, aos
cacarecos. E estes, os bascuís, os cacarecos, muitas vezes tomados como simples objetos descartáveis, comuns ou sem
valor são aquelas coisas que compõem os mais belos quadros das nossas
memórias, das nossas lembranças, dos nossos sonhos. Que viagem
saudosa e agradável a leitura desse poema!
Catando
bascui
(Lília
Diniz)
Habita em mim
a singela casa
da minha infância
Na fartura do
quintal
o limoeiro
traquino
florido sempre
adoçando meus
ouvidos
com os cantares
diários
do passaredo em
festança
O velho sabugueiro
perfuma abril em
flores
curando febres
estouradas em
cataporas
e alucinações
em labaredas
O telhado de
cavacos
pesa sobre o tempo
que insiste não
passar
Lamparinas
atrepadas
nas paredes de
taipa
incandeiam
a imensidão
dos meus olhos
meninos
Sala
quarto
cozinha
abrigam o quase
nada de mim
Mas é lá no
terreiro
barrido todo
amanhecer
pelas cuidadosas
mãos de meu pai
que brinco de
catar
restos de sonhos e
lembranças
Obs.: foi solicitada
autorização à autora. No entanto, não houve resposta. Caso a
autora tenha alguma objeção à postagem do poema acima neste blog,
que comunique através do e-mail jberna68@gmail.com.br. De qualquer forma, este blog agradece à autora a existência do poema.
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